Um pequeno portal em que seus autores se propõem a contar estórias e fazer pequenos poemas.
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
No Caminho, com Maiakóvski (Eduardo Alves da Costa)
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de me quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!
domingo, 18 de setembro de 2011
A noite será devagar (Charles Bukowski)
bem, aqui estou eu
de novo
ouvindo as boas e velhas
músicas
de novo,
sentindo tristeza,
a boa
tristeza
à moda antiga
em que as lágrimas
não chegam
a sair.
bom.
ouço mais um pouco.
a mente pode
consumir quantidades
mágicas de
memória
enquanto a noite se
desdobra
noite adentro,
enquanto outro charuto
é acesso,
como se pode ficar
terrivelmente amuado
quando velhas
músicas seguem-se
uma às
outras,
rostos são
lembradas,
rostos jovens,
como fatias novas de uma
maçã,
estão mortos
agora,
quase todos
eles
mortos
agora.
a aparente
beleza e
a aparente bravura,
se foram.
sentado aqui
permitindo que meus
melhores sentidos
sejam diluídos pela
melancolia,
um homem
velho,
lembrando
de novo,
olhando de cima
a baixo o bar imaginário
cheio de assentos
vazios,
pensando naquela
criança com os loucos
olhos
vermelhos
que sentava lá
enchendo o copo e
enchendo e enchendo e
enchendo
de novo
ao ponto da
imbecilidade,
agora lembrando,
ouvindo
de novo,
permitindo a idiotice
entrar
de novo,
somos todos
idiotas para sempre
idiotizados
para sempre.
alegremente.
agora.
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